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Juventude transviada

Bully – Juventude Violenta (Bully, 2001, EUA/FRA) de Larry Clark 8/10

Meu primeiro contato com Larry Clark foi lá no ínício de 2002 na minha locadora da pré-adolescência. Enquanto ia descobrindo dia após dia, estante após estante, ia percorrendo o cinema americano dos anos 90 e cheguei em “Kids”. Achei até um pouco interessante esteticamente, mas em geral chato, gratuito na semipornografia e sem nexo. Uns três ou quatro anos depois vi “Ken Park” e achei bem ruim, com uma visão muito feitichista e superficial sobre os adolescentes. Só em 2010, ao ter contato com o Larry Clark fotógrafo, seja por amigos, internet, livros e uma mostra incrível com seus trabalhos.

Só agora eu acabei (re)vendo um filme do Clark, depois de meses e meses esperando para ver no cinema. Valeu a pena. Me encontrei com um cineasta que tem sim um grupo específico do qual gosta de retratar, mas faz com um olhar tão subversivo que provoca uma fascinação extrema.

Os adolescentes analisados por Larry Clark são sempre aqueles do subúrbio americano que parecem não ter nenhuma vontade real de viver, a não ser passar o dia de bobeira, zoar com os amigos e fazer sexo. Mas isso não necessariamente faz deles más pessoas. Em “Bully”, justamente, todos abandonaram o ensino médio e não parecem ter ideia nenhuma do que fazer no futuro, menos Bobby Kent (Nick Stahl) que ia para a faculdade e parecia ter um promissor futuro num trabalho com o pai.

Justamente Bobby, esse rapaz mais educado, é um bully no melhor estilo dessa palavra tão mal usada hoje. Ele espancava o melhor amigo Marty Puccio (Brad Renfro), além de ser o seu cafetão e sempre o humilhar. Quando Marty engravida sua namorada Lisa (Rachel Miner), e Bobby estupra uma amiga dela, Ali (Bijou Phillips), Lisa decide que é hora de parar. Após tentar sem sucesso o fim da amizade, pois Marty tinha muito medo do melhor amigo (implorava aos pais para que eles se mudassem por exemplo), eles decidem matar Bobby na companhia de outros três amigos e um “atirador”. Todos completamente perdidos, desde o sempre drogado Donny (Michael Pitt, incrível), ao “profissional” que emprega em sua gangue garotos de 10 a 12 anos.

Clark utiliza seu histórico como fotógrafo de jovens que construiu nos anos 70 para se aproximar ao máximo possível do universo daqueles jovens perdidos, que não conseguem se relacionar bem com seus pais e nem com os próprios amigos, e acabam se entregando ao sexo e drogas como uma forma de se encontrarem. Nesse ponto, continua sempre muito atual em seu trabalho.

Os atores estão perfeitos. Mesmo sendo meio pequeno e fraco, Stahl consegue criar um adolescente de força mental e física, que possui uma presença inegável em seu círculo de amigos (que se restringe a Marty) e portanto na plateia. Já Renfro tem aqui uma de suas interpretações mais marcantes em toda a sua curta carreira, encarnando brilhantemente um jovem tímido, mas que na ausência de Bobby consegue se impor, tanto ao bater na namorada quando descobre a gravidez quanto em seus encontros com clientes, sejam presenciais, na boate ou na memorável cena inicial em que faz “sexo” por telefone.

Toda a atmosfera do filme é construida logo na primeira meia hora, com a mera observação de seus personagens e do ambiente aonde vivem. Quando o foco do filme passa a ser o planejamento da morte de Bobby, ele cai de produção, até porque a grande força do filme é gerada naquela relação de amor, ódio, desejo e medo entre os dois protagonistas.

A parte final retoma a genialidade, analisando como o grupo de jovens não poderia ser mais estúpido ao lidar com os desdobramentos do assassinato e acabaram sendo descobertos facilmente. Sem raciocínio, sem futuro, parecia um destino mais do que certo. O caso, real, ganha contorno de comédia negra em algumas cenas de diálogos absurdos, decisões precipitadas e atitudes mal pensadas.

É interessante que o filme se passa em um lugar meio 1993 (época em que o assassinato verdadeiro aconteceu) e 2001 e não pegou a revolução das redes sociais – taí um tema que Clark precisa abordar. No filme, os jovens não tem nenhum pudor em sair contando que finalmente mataram Bobby enquanto uma das amigas resolve ligar para a polícia fazendo uma denúncia anônima achando que assim vai sair impune. Todos se desesperam, retirando rapidamente quaisquer máscaras que possuiam.

O retrato de uma juventude perdida, que aparentemente não tem forças nem estruturas para se erguer e acaba encontrando na mediocridade e em ações “célebres” um vão esforço para alcançar uma suposta glória. Óbvio que nem todos jovens são assim e é fácil acusar Clark como um diretor obcecado, pessimista e com uma visão sexual de tudo. Mas existe um grupo que se comporta, sim, e no fundo isso nem importa muito. Seus temas ainda assim soando fortes para toda uma geração, mesmo para aqueles jovens – e adultos – que a princípio não são nada similares com esses personagens. E não existe tema mais atual do que esse, do eterno caminho por um sentido no dia-a-dia, por mais que se perceba isso conscientemente ou não, e Larry Clark, no alto dos seus quase 70 anos ainda se impõe como um dos cineastas mais jovens na cena contemporânea dos EUA.

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