#DesafioREF #Dia4- “De Punhos Cerrados” (“I pugni in tasca, 1965) de Marco Bellocchio

Um poderoso e inquietante filme sobre o papel da família na sociedade burguesa italiana dos anos 1960, mas que soa atual e poderoso ainda para a atualidade. A família isolada numa casa decrépita e a agonia de ver tantos personagens sem rumo, . 

Rubens Ewald Filho, que considerou esse filme o melhor do ano dentre os que estrearam no Brasil em 1970, fala em “família de epilépticos” e “todos doentes”, mas nem sei se isso é importante. O tema da doença em si é um tanto negligenciado, mas o filme lida com essa série de personagens que parece reconhecer um local na sociedade em que estão mais sugando do que participando e ficam felizes em ocupar tal espaço.

REF fala ainda de “choque final: brutal, humano  desesperado” e que “o espectador é literalmente violentado em sua plácida comodidade, em todas as coisas que ele acreditou serem: sagradas, intocáveis e imortais”. Talvez o tempo tenha retirado este caráter mais chocante e revolucionário do filme, o que é uma benção: fica o retrato cru e poderoso de uma família num espaço xis de tempo e espaço, mas que não pretende-se ser original: é uma história que se passa a todo tempo e a todo lugar e não à toa a parte final envolve tantos espelhos e recordações).

Curioso que REF coloca o protagonismo no irmão mais velho Augusto (Marino Masé) e parece compreender que o irmão mais novo Alessandro (Lou Castel), age daquele jeito para ajudá-lo. Eu já discordo desta interpretação. Me parece que Alessandro, em tanto que reconhecendo suas limitações e seus problemas a princípio pensa sim em livrar o irmão (como na famosa cena do passeio) de todo o sofrimento, mas depois ele resolve tomar para si o protagonismo de sua vida e percebe que ele também tem o “direito” de viver uma vida normal, longe destas pessoas neuróticas a seu lado.

É uma mudança de chave importante e um redirecionamento de interesses e perspectivas que tanto assusta quanto liberta, expondo assim as assustadoras liberdades da consciência humana. A mesma família que afaga e faz cafuné e o faz esquecer dos problemas, é aquela que causa todos os conflitos, num eterno círculo vicioso e tóxico, que Alessandro identifica e tenta resolver a seu modo.

É o filme de estreia de Marco Bellocchio, com uma interpretação poderosa de Lou Castel, também em seu primeiro filme. Eu já era fã dele em Warnung vor einer heiligen Nutte de Fassbinder e fiquei curioso para ver mais filmes com ele (especialmente um enigmático Cambio de Sexo de Vicente Aranda, de 1976). Ele por vezes parece estar num filme (contemporâneo) de Andy Warhol especialmente quando a câmera foca apenas nele com fundo preto, focalizando neste corpo todas as dores e anseios do mundo, ainda que forçando uma sensação de isolamento completo, um desligar-se não só das dores e dificuldades, mas especialmente das outras pessoas, que pode não somente ser imoral, mas mortal.

Quanto à Bellocchio, que eu conheço principalmente pelo cinema político do século XXI, já botei na listinha gigante Il diavolo in corpo, baseado no prodígio francês Raymond Radiguet.

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